quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A festa eternizada pelo rádio: "Brasil campeão mundial de futebol"





"O ombro está aqui. Pode chorar!"
(Gilmar dos Santos Neves ao amparar Pelé)


"A França perdeu para o time de um garoto ainda sem idade para ver os filmes de Brigite Bardott".
(Jornais franceses destacam a atuação de Pelé)


"É isso que eu queria. Jogar de azul. É a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida".
(Paulo Machado de Carvalho, chefe da delegação brasileira)


"A conquista do mundial de 1958 representa o fim do 'complexo de vira-latas' do homem brasileiro".
(Nelson Rodrigues) 



Qualquer pessoa na face da terra gosta de história de superação. De feitos incríveis. De vitórias inesperadas. A conquista da seleção brasileira em 1958 tem todos esses ingredientes e muito mais. É a história do garoto de 17 anos que deu um chapéu no adversário no dia da final da Copa. É a história do ponta direita que tinha as pernas tortas mas que usava e abusava dos dribles imponderados. É a história de um jogador que tinha um chute apelidado de "folha seca". De um centroavante chamado de "peito de aço". E de um lateral que virou sinônimo de "enciclopédia do futebol". É a história de um grupo que foi para a Europa e obteve uma das conquistas esportivas mais sensacionais em todos os tempos. O futebol brasileiro iniciou uma nova era em 29 de junho de 1958. A era do melhor futebol do mundo. 


Ouvidos colados ao rádio


O rádio teve uma contribuição decisiva para contar a história da Copa de 1958. De acordo com reportagem de O Globo, seis estações foram à Suécia e levaram um total de 27 profissionais. O número é muito pequeno,  na comparação com as transmissões de hoje, mas em se tratando de um mundial na Europa no fim dos anos 50 deve ser considerado recorde. 






O Brasil tinha uma população de 60 milhões de pessoas. Era o ano da Bossa Nova e dos "50 anos em 5" do presidente Juscelino Kubitschek. A conquista da seleção, pela primeira vez na história, causou euforia. As lojas de magazine publicavam anúncios de aparelhos de rádio e aproveitavam o clima de Copa do Mundo.




Vimos que na Suíça, em 1954, a Copa foi transmitida pela TV para 8 países europeus, ainda sem a presença do satélite. Em 58, o número chegou a 11, graças ao Sputnik III, lançado pelos russos. No entanto, como a tecnologia era muito cara, o mundial de 58 ainda teve a predominância do rádio. No total, 27 países mandaram profissionais à Suécia.




As emissoras brasileiras faziam transmissões em conjunto. A Rádio Nacional do Rio de Janeiro, por exemplo, contava com a participação de rádios de outros estados:




Pesquisando os jornais, eu não encontrei nenhuma chamada da Panamericana, hoje Jovem Pan. Mas a emissora fez uma cobertura histórica com Geraldo José de Almeida que narrou ao lado de Waldir Amaral, em uma parceria com a Rádio Continental do Rio. 

Já a Bandeirantes tirou Pedro Luiz da Panamericana. Ele e Edson Leite transmitiram as partidas.


A Copa na Europa mais uma vez


Desde 1930 até hoje, apenas duas vezes a FIFA repetiu o país sede de uma Copa do mesmo continente de forma consecutiva: em 34, na Itália, e em 38, na França e nos anos 50 com Suíça e Suécia, em 54 e 58. Aliás, a Suécia foi escolhida por ter ficado distante da Segunda Guerra Mundial. Era um país com uma boa infraestrutura e que investiu na modernização de estádios. Uma ausência sentida foi a de Jules Rimet, morto em 56. O mundial contou com 16 seleções, divididas em 4 grupos.  As duas primeiras de cada chave estariam classificadas para as quartas-de-final em jogos eliminatórios. O mundo vivia a Guerra Fria. A URSS, campeã olímpica em 56, conseguiu classificação para Copa pela primeira vez. Espanha e Itália ficaram de fora. O Uruguai foi eliminado pelo Paraguai com uma derrota por 5 a 0 em Assunção. O Brasil passou pelos peruanos. A vitória decisiva veio no Maracanã com um gol de "folha seca" de Didi (1 a 0). A Inglaterra participou do mundial, mas ainda estava sob impacto do acidente aéreo que vitimou o Mancheter United em fevereiro daquele ano. 

Grupo 1: Argentina, Alemanha, Irlanda e Tchecoslováquia.
Grupo 2: Iugoslávia, Escócia, França e Paraguai.
Grupo 3: Suécia, México, Hungria e País de Gales.
Grupo 4: Inglaterra, Brasil, URSS e Áustria.


Brasil: finalmente uma preparação séria


Depois dos fracassos de 50 e 54, a CBD resolveu apostar em um nome forte para comandar o trabalho. Paulo Machado de Carvalho, empresário de comunicação, proprietário da TV Record, e um homem de grande visão foi o escolhido pelo presidente da Confederação Brasileira de Desportos, João Havelange. O supervisor foi Carlos Nascimento. A delegação que viajou à Suécia contou com preparador físico, dentista e até psicólogo. O técnico escolhido, Vicente Feola, era bonachão e amigo dos jogadores. O grupo fez uma preparação em Poços de Caldas, em São Paulo, e depois Araxá, Minas Gerais. Em 18 de maio, no Pacaembu, a seleção jogou um amistoso contra o Corinthians e venceu por 5 a 0. Pelé, de apenas 17 anos, se machucou, depois de levar uma entrada de Ary Clemente. Por pouco, o garoto não ficou de fora da Copa. O grupo embarcou em 24 de maio e fez duas partidas na Itália contra a Fiorentina e a Inter de Milão. O Brasil ganhou as duas por 4 a 0. Em um dos jogos, Garrincha driblou dois jogadores e o goleiro mas não fez o gol. Preferiu voltar e driblar de novo os adversários. O técnico Vicente Feola se impacientou. A imprensa questionava muito a escalação do time. Já na Suécia, a seleção se instalou em Hindas perto de Gotemburgo. 


O dia dia da Copa de 1958



O mundial começou no dia 8 de junho com jogos simultâneos em todos os grupos.




Com direito a solenidade de abertura, em Estocolmo, a Suécia estreou com uma vitória sobre o México por 3 a 0, gols de Liedholm e Simonsson (2). A geração sueca de 58 foi uma das melhores do país. O Rei Gustavo Adolfo, que no final da Copa entregou a taça ao Brasil, estava presente.




A seleção brasileira enfrentou a Áustria no estádio Rimnersvallen, em Uddevalla, com um público de 25.000 espectadores.

BRASIL 3x0 ÁUSTRIA
Brasil: Gilmar, De Sordi Bellini, Orlando e Nílton Santos; Dino Sani, Didi, Mazzola, Zagalo e Joel.
Áustria: Szanwald, Halla e Koller; Hanappi, Swodona e Happel; Horak, Senekowitsh, Buzek, Korner e Scheleger.
Gols: Mazzola, aos 38 do primeiro tempo. Nílton Santos, aos 6 e Mazzola, aos 44 do segundo tempo.
Árbitro: Guigue (França)

José Altafini, apelidado de Mazzola, referência a um dos grandes jogadores da Itália (Valentino Mazzola), morto no acidente aéreo que vitimou o Torino, em maio de 1949, foi escalado por Vicente Feola, mas a torcida e a imprensa achavam que ele iria evitar se expor às jogadas mais ríspidas. O atleta do Palmeiras estava sendo negociado com o futebol italiano. De qualquer forma, ele marcou dois gols na vitória por 3 a 0. O outro foi de Nílton Santos. Na época era incomum um lateral avançar ao ataque. Zagallo, ponta esquerda, tinha características mais defensivas e começou a dar cobertura durante as investidas de Nílton. Quando o jogador se aventurou ao ataque, o técnico Feola gritou do banco, ordenando que o lateral voltasse ao campo de defesa. Mas a investida deu resultado. A seleção canarinho estreou com vitória.  




Apesar do nervosismo, a estreia foi vitoriosa:






Os jornais destacavam que a seleção usou muito a marcação por zona, criada pelo técnico Aimoré Moreira, que comandou o Brasil na Copa anterior:




Pelo grupo do Brasil, a União Soviética e a Inglaterra ficaram no empate por 2 a 2. A URSS tinha o lendário goleiro Yashin. Com o resultado, a seleção brasileira terminou a primeira rodada na liderança do grupo.


Ainda no dia dia 8 de junho de 58, a Tchecoslováquia foi surpreendida pela Irlanda do Norte. Perdeu por 1 a 0.



A França foi uma das grandes seleções do mundial de 58. Just Fontaine, até hoje o maior artilheiro de uma única edição de Copa, com 13 gols, marcou logo 3 na estreia contra o Paraguai. Vitória por 7 a 3. O primeiro tempo terminou empatado por 2 a 2. Na etapa final, os franceses deslancharam. Destaque ainda para as atuações de Kopa e Piantoni.


A Alemanha, atual campeã do mundo, ainda tinha jogadores remanescentes de 54. Fritz Walter, capitão, disputou a Copa. Mas o time contava com outras estrelas. Uwe Seeler, centroavante goleador, jogou o primeiro de quatro mundiais: 1958, 1962, 1966 e 1970. Marcou gols em todas as edições (recorde ao lado de Pelé e Klose). Os alemães venceram a Argentina por 3 a 1. Destaque para Rahn. Ele balançou as redes adversárias duas vezes.




A Hungria estreou na Copa com um empate (1 a 1) diante do "ferrolho" País de Gales. Os magiares não eram nem a sombra do time que encantou o mundo na Copa anterior.




O placar de 1 a 1 foi o mesmo do empate da Iugoslávia com a Escócia.




Antes da segunda rodada da Copa, os jornais traziam fotos da vitória da seleção brasileira, como a imagem do gol de Nílton Santos.



O goleiro Gilmar dos Santos Neves era homenageado como o "desportista da semana". O anúncio aparecia nas páginas dos jornais.



A seleção Brasileira viajou para Gotemburgo para o próximo desafio: a Inglaterra. A partida foi disputada no dia 11 de junho, com uma ampla cobertura das rádios, a partir das 14h30.



Em 1956, a seleção brasileira fez um amistoso em Wembley. A Inglaterra venceu por 4 a 2. Gilmar dos Santos Neves defendeu dois pênaltis. Os ingleses usavam esse jogo como exemplo para reiterar o favoritismo contra o Brasil. Os jornais da época traziam declarações do capitão Billy Wright, destacando a confiança na vitória sobre os brasileiros.







O técnico Vicente Feola sabia das dificuldades. A seleção teria apenas uma alteração: saiu Dida e entrou Vavá.




BRASIL 0x0 INGLATERRA
Brasil: Gilmar, De Sordi, Bellini, Orlando e Nílton Santos; Dino Sani, Joel, Didi, Mazzola, Vavá e Zagallo.
Inglaterra: McDonald, Howe, Banks, Clamp, Billy Wright, Slater, Douglas, Robson, Hevan, Haynes e Acourt.
Árbitro: Albert Dusch (Alemanha Ocidental)


Apesar do otimismo dos ingleses, o placar de 4 a 2 de dois anos antes não se repetiu. O jogo foi disputado, mas o bom desempenho dos goleiros garantiu o placar sem gols. Aliás, você sabia que foi o primeiro 0 a 0 da história da Copas? O técnico Vicente Feola ficou preocupado. O desempenho não foi o que ele esperava. 



A imprensa destacava que o Brasil foi melhor no primeiro tempo e a Inglaterra teve um bom desempenho na etapa final.





No Brasil, torcedores se aglomeraram nas praças públicas para acompanhar a partida. Assim seria durante toda a Copa do Mundo. No Rio de Janeiro, por exemplo, a concentração se dava na Cinelândia, no Largo da Carioca e em frente ao Teatro Municipal. Em São Paulo, a Praça da Sé era o ponto de encontro.




Como dissemos acima no começo deste capítulo, países da Europa contaram com transmissões ao vivo pela TV. Um repórter de O Globo assistiu ao jogo contra os ingleses: "Quando essa crônica for publicada, já terei visto no mesmo café parisiense dos Inválidos, o match Brasil x Inglaterra. Como se estivesse na Suécia. A televisão francesa, com imagens de 980 linhas, oferece uma visão perfeita dos encontros de futebol. Dez milhões de espectadores europeus acompanham a Copa do Mundo em cafés, bares, cinemas e praças públicas. É a maravilha do século!"




Na rodada do dia 11 de junho, a Argentina se recuperou na Copa com uma vitória sobre a Irlanda do Norte por 3 a 1. Os irlandeses saíram ganhando, mas perderam o jogo. Em Estocolmo, o México empatou com o País de Gales por 1 a 1.




Em um bom jogo em Norrköping, o Paraguai passou pela Escócia por 3 a 2. Apenas 8 mil pessoas estiveram no estádio.



A Alemanha conseguiu apenas um empate, 2 a 2, contra a Tchecoslováquia. Os atuais campeões do mundo estavam ganhando por 2 a 0. O Rei Gustavo acompanhou a partida das tribunas no estádio em Helsinborg.





Uma das surpresas da segunda rodada foi a derrota da França para a Iugoslávia por 3 a 2. Os iugoslavos saíram na frente, mas cederam o empate. Na sequência fizeram 3 a 1. A França diminuiu com Fontaine que já tinha feito o primeiro da equipe.




A União Soviética eliminou a Áustria da Copa com uma vitória por 2 a 0. A URSS era a próxima adversária do Brasil.




No único jogo do dia 12, os donos da casa, os suecos, conseguiram a segunda vitória na Copa, garantindo vaga na próxima fase. Vitória por 2 a 1 sobre a Hungria. 





Aqui uma nota interessante. A TV Rio anunciou a exibição do jogo entre Brasil e Inglaterra. Não havia vídeo-tape. Não tem como saber se a emissora fez a exibição da íntegra do filme ou se levou ao ar apenas trechos do jogo. Pelas minhas pesquisas, ninguém tem esse jogo na íntegra. 



Quem abrisse os jornais, veria um anúncio interessante de uma empresa de turismo. Ainda dava tempo de viajar para a Suécia e ser testemunha de um dos maiores jogos da seleção em todos os tempos.  



O dia 15 de junho de 1958 entrou para a história do futebol nacional. O mundo vivia a Guerra Fria e o Ocidente tinha "medo" dos comunistas. Dentro de campo, só se falava do "futebol científico" da União Soviética. A seleção brasileira estava concentrada em Hindas, uma região montanhosa. De longe, os brasileiros conseguiam ver o campo de treino dos russos. Toda vez que olhavam para lá, havia um jogador correndo ao redor do campo. Era uma forma de impressionar e colocar medo nos adversários.

Depois de uma vitória e um empate, o técnico Vicente Feola sabia que precisaria mexer na equipe. O time precisava da vitória para não depender de outros resultados. Existem algumas lendas que cercam o mundial de 1958. Muitas fontes e livros dizem que os jogadores Didi e Nílton Santos pediram uma reunião com o treinador da seleção para exigir a escalação de Pelé e Garrincha. Outras versões apontam que até Paulo Machado de Carvalho interferiu na escalação dos dois jogadores. O fato é. O jornalista Ruy Castro em Estrela Solitária, a biografia de Mané Garrincha, destaca que nenhum jogador fez reunião com Vicente Feola. A decisão de colocar Garrincha e Pelé foi tomada pelo próprio treinador e comissão técnica. O time precisava de ofensividade para enfrentar os russos. Ainda bem que estavam certos.

Pelé ainda não estava cem por cento. Ainda consequência da contusão sofrida no jogo treino contra o Corinthians, no Pacaembu.




Os jornais traziam declarações de Garrincha: "Estou louco para jogar". Nílton Santos, amigo e colega de Botafogo de Mané, dizia: "Espero que domingo, com os soviéticos, encontremos a nossa melhor forma de entendimento. Piorar, não podemos". Nílton Santos destacava que o Brasil estava jogando apenas discretamente. Ainda bem que a seleção iria assombrar o mundo.



Até mesmo com uma derrota para a União Soviética, a seleção poderia se classificar, dependendo do resultado do jogo entre Inglaterra e Áustria. 


Antes da terceira rodada da Copa, chegou a informação de que Mazzola já estava contratado pelo Milan. O jogador não entraria em campo com a URSS. 



O grande dia se aproximava. A seleção brasileira iria enfrentar a URSS no dia 15 de junho, domingo, em busca da classificação.




O técnico Vicente Feola escalou Zito no lugar de Dino Sani. Também saiu Joel para a entrada de Garrincha. E Pelé estreou na Copa, substituindo Mazzola.




BRASIL 2x0 UNIÃO SOVIÉTICA
Brasil: Gilmar, De Sordi, Bellini, Orlando e Nílton Santos; Zito, Didi, Garrincha, Pelé, Vavá e Zagallo.
URSS: Yashin, Kessarev, Kriglevski, Kuznetsov, Voinov, Igor Netto, Valentin Ivanov, Simonian, Ilin, Tsarev, Alexandrer Ivanov.
Árbitro: Guigue (França)
Gols: Vavá, aos 2 minutos do primeiro tempo e 20 minutos do segundo tempo.

Se o futebol brasileiro tem um momento sublime na história, esse momento veio com dois minutos iniciais do duelo contra a União Soviética. O tal futebol científico se esfacelou aos pés de Garrincha. Quem estava em Gotemburgo (público de 50.000 pessoas) viu uma atuação assombrosa do ponteiro direito do Brasil. Além dos dribles desconcertantes, o jogador atirou uma bola na trave de Yashin. Vavá abriu o placar aos 2 minutos do primeiro tempo. Na etapa final, ele de novo marcou aos 20, em uma jogada de raça que custou ao atleta um corte na canela que o tiraria das quartas de final. Apesar de não marcar gol, Pelé também assombrou o mundo. Ele estava meio acanhado, é verdade, mas aquele garoto de 17 anos começava se destacar. A vitória garantiu o time de Vicente Feola na próxima fase. Foram 5 gols marcados e nenhum sofrido.











O treinador da seleção foi elogiado pela imprensa. O jornal O Globo dizia: "Foi feliz Vicente Feola com as modificações introduzidas no nosso ataque. O meia santista, no princípio, parecia pouco confiante nas suas condições físicas, afastado, que se encontrava, há mais de 20 dias. O popular "Seu Mané" foi um espetáculo à parte, fazendo convergir para seu lado as simpatias e admiração da torcida que lotou as dependências do grandioso estádio de Nya Ullevi".











Pelo grupo do Brasil, também no dia 15, a Inglaterra empatou com a Áustria, 2 a 2, e teve de fazer um jogo desempate contra a URSS.




O País de Gales conseguiu arrancar um empate contra a Suécia e ficou em segundo lugar no grupo. Os galeses, mestres da retranca, seriam os próximos adversários da seleção brasileira.




Em Helsingborg, a Argentina sofreu uma goleada histórica: 6 a 1 para a Tchecoslováquia e estava eliminada. Os jogadores depois desabafaram para a imprensa: "toda hora quando olhávamos para trás, lá estava a bola nas redes de Carrizo". A Argentina era treinada por Guillermo Stábile, artilheiro da Copa de 1930, e contava com grandes jogadores como Nestor Rossi e Angel Labruna.




O México perdeu mais uma vez na Copa. Agora para a Hungria: 4 a 0. 




A França se recuperou na Copa com uma vitória apertada diante da Escócia: 2 a 1. Fontaine marcou um dos gols. Os escoceses perderam um pênalti.


O aguerrido Paraguai arrancou um empate contra a Iugoslávia, 3 a 3, mas estava eliminado da Copa do Mundo.



Em Malmö, a Alemanha ficou no empate com a Irlanda do Norte, 2 a 2, mas se manteve invicta na competição. Os irlandeses estiveram à frente do placar nas duas vezes. Irlanda e Tchecoslováquia tiveram de fazer um jogo desempate.



No dia 17 de junho, três jogos desempate. A Irlanda venceu a Tchecoslováquia por 2 a 1 e enfrentaria a França nas oitavas. O País de Gales surpreendeu a Hungria pelo placar de 2 a 1. Já a União Soviética eliminou a Inglaterra com uma vitória por 1 a 0.









As quartas-de-final foram disputadas no dia 19 de junho com os seguintes duelos: Suécia x URSS, Alemanha x Iugoslávia, França x Irlanda e Brasil x País de Gales.

A seleção brasileira corria o risco de ficar sem Vavá.



A transmissão pelo rádio do jogo entre Brasil e País de Gales era anunciada para as 14h30 do dia 19 de junho.






O País de Gales ganhava a atenção da imprensa. Foi a única vez que essa seleção participou de um mundial. Aliás, a Copa de 58 contou com Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales, nações do Reino Unido. A única vez que estiveram juntas em uma mesma competição.






Antes do duelo com os galeses, os russos fizeram uma visita à concentração do Brasil em Hindas. "Antes de seguirem para Estocolmo, os soviéticos visitaram os brasileiros em Hindas - Paulo Machado de Carvalho recebeu uma valiosa jarra e perfumes russos - rosetas para os craques - confiantes os vermelhos em chegar à final", dizia reportagem de O Globo




BRASIL 1x0 PAÍS DE GALES
Brasil: Gilmar, De Sordi, Bellini, Orlando e Nílton Santos; Zito, Didi, Garrincha, Pelé, Mazzola e Zagallo.
Gales: Kelsey, Williams, Hopkins, Sullivan, Melvyn Charles, Bowen, Medwin, Hewit, Allchurch, Jones e Webster.
Gol: Pelé, aos 21 minutos do segundo tempo.
Árbitro: Friedrich Seipelt (Áustria).

Vavá não teve condições de jogo e foi substituído por Mazzola. A seleção encontrou muitas dificuldades para furar o bloqueio adversário.  O gol só veio no segundo tempo e foi o primeiro dos 12 de Pelé na história das Copas. Nas palavras do próprio jogador, foi o mais importante de toda a carreira. Mazzola chegou a fazer um gol de bicicleta, mas o árbitro anulou a jogada. Ninguém entendeu. Ou ele marcou impedimento ou lance perigoso. A seleção seguia em frente sem sofrer um gol sequer. O jornal O Globo dizia: "Todo mundo ficou em suspense esperando o tento da vitória". O Brasil estava entre os quatro melhores do mundo. 










Os jornais destacavam que foi a partida mais difícil: "Vicente Feola já sabia que o jogo iria ser duro: considero um completo ingênuo quem pensar em facilidades durante uma Taça do Mundo". Didi considerava que teve a melhor atuação da vida dele naquela partida. 




A França seria a adversária da seleção nas semifinais. A equipe voltou a golear: 4 a 0 na Irlanda do Norte. A Alemanha, com um gol de Rahn, passou de forma apertada pela Iugoslávia. Já os suecos estavam em festa, depois da vitória do time nacional sobre a União Soviética: 2 a 0.






O médico Hilton Gosling teria muito trabalho até o duelo contra os franceses no dia 24. Orlando, Zito, Garrincha e Nílton Santos estavam com algum tipo de contusão. Consequência do duro jogo contra o País de Gales.



Ausente contra o País de Gales, Vavá estava confirmado para as semifinais. 




A Rádio Globo exaltava a transmissão da partida contra a França,  no Estádio Rasunda, em Estocolmo, a partir das duas horas da tarde.






O Brasil, a melhor defesa, e a França, o melhor ataque, iriam agora medir forças em um duelo sensacional.










Uma nota interessante do mundial. A comissão técnica se esqueceu de entregar a Fifa a relação com  o número dos jogadores que atuariam na competição. Um jornalista uruguaio, para ajudar a seleção, preencheu os números ao lado da lista com o nome dos atletas. Coincidência ou não, Pelé ficou com a 10. Garrincha, que normalmente usava a 7, aparece nas imagens dos filmes da Copa com a camisa 11.

Abaixo, reportagem já antecipava um problema que o Brasil teria, caso chegasse à final contra a Suécia. As duas seleções jogavam de amarelo. Dificilmente os donos da casa abririam mão de usar a camisa principal. No entanto, Paulo Machado de Carvalho resolveu o problema com maestria, como veremos mais para frente. 



BRASIL 5x2 FRANÇA
Brasil: Gilmar, De Sordi, Bellini, Orlando e Nílton Santos; Zito, Didi, Garricha, Vavá, Pelé e Zagalo.
França: Abbes, Kaelbel, Lerond, Jonquet, Penverne, Just Fontaine, Kopa, Piantoni, Vicent e Wisniewski.
Gols: Vavá, aos 2, Fontaine, aos 9, e Didi, aos 39 do primeiro tempo. Pelé, aos 7, 19 e 30, e Piantoni, aos 38, do segundo tempo.


A seleção brasileira fez uma apresentação de gala. A melhor defesa venceu o melhor ataque e de goleada: 5 a 2, em Estocolmo. Vavá abriu o placar e Fontaine empatou para a França. Pela primeira vez, Gilmar dos Santos Neves foi vazado na Copa. Mas Didi marcou o segundo em um chute fantástico de fora da área. Interessante, que as câmeras de TV da Suécia não registraram esse gol. Apenas no filme oficial da Fifa, o gol de Didi aparece. A etapa final foi marcada pelo show do garoto Pelé. Foram 3 gols. Depois dessa apresentação, um jornalista francês foi o primeiro a chamar o atleta brasileiro de "Rei". Os jornais do país também destacavam que a seleção da França tinha perdido para o time de um garoto que ainda não tinha idade para ver filmes de Brigitte Bardot. 










Em Gotemburgo, a Suécia conseguiu uma façanha. Derrotou os atuais campeões do mundo e garantiu vaga na final: 3 a 1, com gols de Skoglund, Gren e Hamrin.




Antes da final, os jornais destacam que o pai de Garrincha e as noiva de Vavá e de Didi estiveram com o presidente Juscelino Kubitschek nas Laranjeiras. Amaro Francisco dos Santos, pai do "gênio das pernas tortas", ressaltou: "Seu presidente, meu Mané faz o que pode".







Pela decisão do terceiro lugar, um jogo espetacular: a França venceu a Alemanha por 6 a 3. Just Fontaine marcou 4 gols e confirmou a artilharia da Copa com 13 tentos. 




O técnico alemão, Sepp Herberger, campeão do mundo em 54, afirmou que, mesmo se contasse com as principais estrelas do país, seria impossível deter o poderoso ataque da França. Já a Federação Alemã acusou o árbitro Juan Brozzi, da Argentina, de prejudicar o time.




Os brasileiros já se planejavam. Onde ouvir o jogo entre Brasil e Suécia? O Hipódromo da Gávea era uma alternativa.












O técnico Vicente Feola poupou De Sordi no último treino. O lateral, porém, foi substituído por Djalma Santos na partida decisiva. O jogador que fez história no Palmeiras, mas que ainda pertencia a Portuguesa, atuou apenas na final e foi considerado o melhor lateral da Copa.

A seleção brasileira perdeu o sorteio das camisas e teria de jogar de azul. Quando Paulo Machado de Carvalho foi comunicar aos jogadores sobre o resultado, resolveu dar uma injeção de ânimo nos atletas. Ele chegou à concentração com um tom vibrante, dizendo que que era isso mesmo que ele queria, jogar de azul, a cor do manto de Nossa Senhora!!! O Brasil seria campeão mundial. Aliás, o "Marechal da Vitória" era muito próximo aos jogadores. Conversava com cada um como se fosse um pai. Didi, por exemplo, estava com saudades da bela noiva Guiomar. Paulo Machado de Carvalho conseguiu um equipamento de rádio amador e fez com que os dois conversassem por mais de meia hora. Ele na Suécia, ela no Brasil. O cartola só impôs uma condição ao craque: que vencesse o jogo de domingo. Ele cumpriu à risca.









BRASIL 5x2 SUÉCIA
Brasil: Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando e Nílton Santos; Zito, Didi, Garricha, Vavá, Pelé e Zagallo.
Suécia: Svensson, Bergmark, Axbom, Liedholm, Gustavsson, Parling, Hamrin, Gunnar Gren, Simonsson, Skoglund e Borjesson.
Árbitro: Guigue (França)
Local: Estádio Rasunda, Estocolmo 
Público: 52.000
Gols: Liedhom, aos 3, Vavá, aos 9 e aos 32 do segundo tempo. Pelé, aos 10, Zagallo, aos 23, Simonsson, aos 35 e Pelé, aos 45 da etapa final.


Estocolmo, 29 de junho de 1958. O dia começou com chuva, o que era uma preocupação para os brasileiros que tinham um futebol de toque de bola. Mas os organizadores colocaram uma lona para proteger o gramado e que só foi retirada pouco tempo antes da partida. Pela primeira vez na Copa, a seleção saiu perdendo. Como o time iria reagir? Didi pegou a bola e foi para o centro do gramado. Acalmou o time. Seis minutos depois, a genialidade de Garrincha falou mais alto. Ele driblou e cruzou rasteiro para o gol de Vavá. Aos 32 do primeiro tempo, a jogada se repetiu: lance de Mané pela direita e cruzamento rasteiro para outro gol de Vavá: 2 a 1. No segundo tempo, Pelé fez um dos gols mais famosos do mundo. Chapéu no zagueiro sueco e chute sem chances para Svensson. O goleiro era o mesmo que tinha sofrido 7 gols do Brasil no duelo pela Copa de 1950. O quarto gol contra a Suécia veio em uma jogada de fôlego de Zagallo que invadiu a área e chutou por baixo do arqueiro. Os suecos diminuíram com Simonsson. Na marca de 45 minutos, Pelé, de cabeça, fechou o placar. Até hoje é o placar mais elástico de uma final de Copa do Mundo: 5 a 2.  A festa no gramado em Estocolmo e no Brasil inteiro só estava começando. Pelé chorou de forma efusiva nos ombros do goleiro Gilmar. Chegava ao fim o complexo de vira latas! Brasil campeão mundial de futebol. Finalmente!




Hideraldo Luiz Bellini, nascido em Itapira, interior de São Paulo, recebeu a Taça Jules Rimet das mãos do Rei Gustavo Adolfo. Pela primeira vez, um jogador ergueu o troféu sobre a cabeça. Hoje um gesto banal e que se repete a cada conquista de clube ou seleção. 

"Foi um gesto natural. Os fotógrafos e jornalistas pediam para que eu mostrasse o troféu. E surgiu esse gesto natural. Para que todo mundo visse que o Brasil era campeão mundial de futebol".
(Entrevista ao autor em 1998)













Na artilharia do mundial, Just Fontaine ficou em primeiro com 13 gols. Pelé fez 6. 















GRUPO 01

08/06/1958 Malmö: Argentina 1 x 3 Alemanha 
08/06/1958 Halmstad: Irlanda do Norte 1 x 0 Tchecoslováquia
11/06/1958 Halmstad: Argentina 3 x 1 Irlanda do Norte
11/06/1958 Helsingborg: Alemanha 2 x 2 Tchecoslováquia
15/06/1958 Helsingborg: Tchecoslováquia 6 x 1 Argentina
15/06/1958 Malmö: Alemanha 2 x 2 Irlanda do Norte
17/06/1958 Malmö: Irlanda 2 x 1 Tchecoslosváquia (desempate)

GRUPO 2

08/06/1958 Västeras: Iugoslávia 1 x 1 Escócia
08/06/1958 Norrköping: França 7 x 3 Paraguai
11/06/1958 Norrköping: Paraguai 3 x 2 Escócia
11/06/1958 Västeras: Iugoslávia 3 x 2 França
15/06/1958 Örebro: França 2 x 1 Escócia
15/06/1958 Eskilstuna: Paraguai 3 x 3 Iugoslávia


GRUPO 3

08/06/1958 Estocolmo: Suécia 3 x 0 México
08/06/1958 Sandviken: Hungria 1 x 1 País de Gales
11/06/1958 Estocolmo: México 1 x 1 País de Gales
12/06/1958 Estocolmo: Suécia 2 x 1 Hungria
15/06/1958 Estocolmo: Suécia 0 x 0 País de Gales
15/06/1958 Sandviken: Hungria 4 x 0 México
17/06/1958 Estocolmo: País de Gales 2 x 1 Hungria (desempate)

GRUPO 4

08/06/1958 Gotemburgo: Inglaterra 2 x 2 União Soviética
08/06/1958 Uddevalla: Brasil 3 x 0 Áustria
11/06/1958 Gotemburgo: Brasil 0 x 0 Inglaterra
11/06/1958 Boräs: União Soviética 2 x 0 Áustria
15/06/1958 Boras: Áustria 2 x 2 Inglaterra
15/06/1958 Gotemburgo: Brasil 2 x 0 União Soviética
17/06/1958 Gotemburgo: União Soviética 1 x 0 Inglaterra (desempate)


QUARTAS

19/06/1958 Norrköping: França 4 x 0 I. do Norte
19/06/1958 Malmö: Alemanha Oc. 1 x 0 Iugoslávia
19/06/1958 Estocolmo: Suécia 2 x 0 União Soviética
19/06/1958 Gotemburgo: Brasil 1 x 0 País de Gales

SEMIFINAL

24/06/1958 Estocolmo: Brasil 5 x 2 França
24/06/1958 Gotemburgo: Suécia 3 x 1 Alemanha Oc.


TERCEIRO LUGAR

28/06/1958 Gotemburgo: França 6 x 3 Alemanha Oc.


FINAL 

29/06/1958 Estocolmo: Suécia 2 x 5 Brasil




Fontes consultadas: 



- Acervo dos jornais Folha da Manhã, O Estado de S.Paulo, e O Globo (1954);

- Livros: O Jogo Bruto das Copas do Mundo (Teixeira Heizer) e Todas as Copas do Mundo (Orlando Duarte);


O AUTOR





Thiago Uberreich é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999). Começou a carreira, em 1996, na Rádio Eldorado de São Paulo (atual Estadão).  Passou pelas funções de redação, edição, reportagem e apresentação.

Em 2005, recebeu convite para integrar a equipe de reportagem da Jovem Pan. Participou de inúmeras coberturas e atuou como setorista no Palácio dos Bandeirantes. Desde março de 2016, apresenta o Jornal da Manhã (6hs às 10hs).

Apaixonado por futebol e história das Copas do Mundo, gosta de elaborar séries especiais.

Em 2010, venceu o prêmio Embratel, categoria Reportagem Esportiva, com a série Histórias das Copas, veiculada nos meses que antecederam o mundial na África do Sul.  Em 2011, levou ao ar a série "Vozes do Tri", sobre a conquista da Copa de 70. Em 2012, fez a série "50 anos do bi". Em 2015, produziu "A Copa que nunca acabou", sobre o mundial de 1950. Em 2016, conseguiu reunir os áudios na íntegra dos seis jogos da seleção brasileira em 50. Possui um dos maiores acervos pessoais de vídeos de futebol do país. São 4 mil horas de gravação (2 mil DVDs).


Críticas, sugestões ou correções: tuberreich@gmail.com